domingo, 25 de outubro de 2009

Mf# 09 – um prado (ou sobre o cheio e o vazio)

16 de setembro de 2009.

Eu me lembro sem ter conhecido de um Prado das primeiras décadas do século passado, de um certo amanuense Belmiro, que bebia chope na avenida arborizada do parque municipal e voltava de bonde pro seu bairro, onde morava com suas duas tias velhas. O lugar era tranqüilo, apesar de a rua platina já ser importante para a capital recém nascida.

Memórias inventadas são boas pra gente pensar sobre a invenção de uma ciadade.

Quase um século depois das andanças de Belmiro, o MuroseFundos decidiu fazer uma intervenção neste bairro, tão singular, que não sei se já foi exclusivamente residencial, mas que pelo menos em minhas imaginações longínquas era bem menos comercial e tinha um trânsito de pessoas e veículos bem menos intenso na maré do dia-a-dia.

a considerar:

- Prado é um ponto importante da cidade, micro-centro da região oeste, que dá acesso ao norte e ao sul, Avenida Amazonas, Via-expressa, Contorno e tantas outras vias fundamentais de costura e entrelaçamento da cidade.

- hoje, com tantas lojas e confecções de roupa, o bairro é quase uma extensão do Barro Preto, talvez pretensamente mais elegante.

Mas no meio desses trânsitos todos, tem um bairro cheio de casas, com muitas famílias formadas e criadas ali. Pra mim, é no mínimo curioso andar por aquelas ruas de paralelepípedos, cheias de casas e me deparar em esquinas com vitrinas espelhadas e manequins vestindo roupas da moda, ou grandes cartazes e grandes nomes de marcas, modernamente colados nestas casas. Mas no fim das contas isso talvez tenha a ver com a invenção de uma cidade, as novas camadas coladas ao longo dos anos. Os bairros, seus significados, re-significados, apropriações e desapropriações...

Estou me alongando mas o que eu quero falar aqui é sobre o cheio e o vazio. Essas ruas todas do Prado são intensamente ocupadas durante o dia. Pessoas que transitam de lá pra cá. Do norte pro centro, do sul pro nordeste, de bh pra cidades adjacentes, diariamente, fora o compra-e-vende que faz a região ser conhecida como um pólo comercial.

Com todo esse contexto na cabeça nos propomos a vivenciar o bairro de uma outra forma, quando as lojas já fecharam, as portas e os carros já voltaram à suas casas. E vivenciar o Prado vazio é um paradoxo bem interessante. Na rua quase não se vê pessoas (apenas nos bares – condição inerente à Belo Horizonte). Ruas desertas momentaneamente iluminadas por poucos carros.

E é fantasmagórico deparar com esses manequins, estáticos nessas salas de vidro, no escuro. Escolhemos então um cruzamento com três ou quatro lojas e por ali decidimos projetar imagens de um norte distante: uma fila grande de pessoas em uma loteria, um pintor transformando um muro amarelo em rosa, um carroceiro com seu burro, lojas e comércios.

Foi uma experiência única. Nosso diálogo com os moradores foi esparso. Carros que reduziram a marcha para entender o que fazíamos, algumas janelas de prédios, com curiosos. Foram, no fim das contas, trocas singelas com essas pessoas. Mas que para nós funcionou como um momento intenso de imersão na cidade. O cheio e o vazio. Os movimentos respiratórios das ruas. O calor do dia e o frio da noite. O movimento das marés urbanas.

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